quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Fonte: www.edukbr.com.br/

CYRO DE MATTOS

Escritor, poeta, advogado e jornalista, nasceu em Itabuna, sul da Bahia, em 1939. É membro da Academia de Letras da Bahia. Estreou como ficcionista com o livro de contos Os brabos (Prêmio A fonso Arinos, Academia Brasileira de Letras). Como poeta publicou, entre outros, Vinte poemas do Rio e Cancioneiro do Cacau. Prêmio Nacional Ribeiro Couto, Prêmio Centenário Emílio Mora, da Academia Mineira de Letras e Indicado para o Prêmio Jabuti 2002.

Publicado em Portugal, Estados Unidos, Rússia, Dinamarca, Alemanha, Suiça e México.


LUGAR

Entendo ser real
Estar na relva
Como meu canto
Sedento de amor.
Neste rumor secreto
Verde minha palavra
De brotar em cada um.
Se não sou semente
Dos sonhos que beijei
Cantando na chuva.
Lá dentro trancado.
Cúmplice do eterno
Riscado num instante
Direi não sou de fato
E no caos desencanto-me.


LUGAR (II)

Ainda que seja
Um grão no deserto
A palavra é meu lugar
Onde tudo arrisco.
Irriga minhas veias
Como a chuva à terra
Em suas mil línguas.
Antiga, bem antiga,
Me anuncia no vale,
Me consuma real,
Viajante cativo
Da solidão solidária.
Sem esse jeito
De ser flor e vento.
Sonho e música,
Palavra só amor.
Não há espanto,
A lágrima, o beijo,
O riso, o epitáfio.
Não há o sentido.


A PALAVRA AUSENTE

Não existisse
Com seus limites
Diante do mundo
Sem interrogar o tempo
De Deus ou por acidente
Onde bem ou mal
Sinto-me um bocado,
Revejo-me no outro
Como a mim mesmo
Por certo o deserto
Não ia me afigurar
Desencanto e solidão,
Metáfora do nada.
Ao ruído dos dentes,
Que tudo muda,
Urde fragmentos, sonhos,
Que sentido haveria
O silêncio de tudo,
Fundo, profundo?
Jamais o convite ao amor,
À saudade, à razão, à fé,
Contradições que me fazem
Inocente na travessia,
Do inexorável submisso..


A PALAVRA PRESENTE

Dá vôo à razão
Na leitura do mundo.
Equilíbrio nos vazios
Por entre mistérios
Que soam absurdos.
Simulação do real
Na emoção do ser elo
Íntimo das coisas.
Ritmo agudo do ver.
Ouvir e falar silêncios
Onde me usa o amor
Resvalando na vida
Que o tempo engole.
Nas litanias do mal,
No refrigério da relva
Fogo eterno de cantores
Desde não quando.


BOVINO

Ruminante a flor.
Culpado mas sem pecado.
Morre sem rancor.



Textos extraídos de POESIA SEMPRE, Ano 13, n. 20, março 2005. (Publicação da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro) p.1-01-105

Página publicada em maio de 2008

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De
POEMAS ESCOLHIDOS
Segundo Prêmio Literário Internacional
Maestrale Marengo d´Oro – Gênova, Itália, 2006
São Paulo: Escrituras, 2007
(Edição bilíngüe Português-Italiano)


O MENINO E O MAR

Era a primeira vez
Que o tinha ido ver o mar.
Todo alegre, de calção,
Peito nu e pé no chão.

Quando viu tanta água
Fazendo barulho
Sem parar, disse:

— Pai, me dê a mão.


RIO MORTO

Vejo tua face invisível
Na claridade das águas,
Espumas lavadeiras nas pedras
Diversicoloridias de roupas.
O céu azul de nuvens mansas.
A lua derramando prata
No areal deixado pela cheia.
Eu sou aquele menino
Que engoliu tua piaba
Para aprender a nadar.
Eu sou aquele menino
Que pegou tuas borboletas
Nos barrancos voando em bando
Eu sou aquele menino
Que sentiu com tuas boninas
A proposta livre da vida.
Eu sou aquele menino
Magro, esperto, traquino
Em tua paisagem luminosa.
Não havia, amor, dúvida,
Ares sombrios pegajosos
Cobrindo tua ilha com tesouro
Guardada por almas de piratas.
Nessa manhã de banho ausente,
Susto nos peraus e remansos,
O sol sem vidrilhar a correnteza,
Tristes meus olhos testemunham
Tua descida pobre e monótona.
Tua morte lentamente com sede
Inventada nas bocas de vômito...
Cachoeira o teu nome
Do rio que chora água.


DUNAS

Ilumino-me
de imenso.
Ungaretii

No sempre
Do vento.
No agora
Do silêncio.
Iluminado
Em solidão.


O EVENTO TERNO

Sentido não haveria
Do aroma sem canto.
A aderência perfeita
Toca o mistério,
A natureza se impõe
Na luz deste céu sonoro.
Na nervura da pétala,
Tremor translúcido,
O pássaro tece e acontece.

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